Uma “boa” liderança conjuga eficácia e ética. Em muitos casos, conhecemos a eficácia, que é facilmente mensurável, mas não conhecemos a ética em que está baseada, que é uma parte mais invisível. Esta parte menos visível é importante para fazer uma avaliação final dos líderes. Geralmente não temos acesso ao “lado lunar” dos líderes, às suas partes negativas, conhecidas apenas de um círculo mais restrito e íntimo, ou mesmo escondidas de todos. Temos acesso amplo ao lado público do líder, apoiado pelo marketing da sua imagem, interno ou externo à organização. Contrariamente aos outros elementos de uma organização, o lado lunar dos líderes é um lado escondido, impenetrável na maior parte dos casos. Este facto tem várias implicações sobre a forma como vemos os líderes e a liderança.
1. Não dê cheques em branco a um líder
Primeiro, na maioria dos casos não é possível avaliar verdadeiramente um líder até conhecermos o seu lado lunar. Há líderes de negócio famosos que conseguiram adquirir a sua vantagem competitiva inicial (que depois lhes proporciona vantagens cumulativas continuadas) de forma legítima, outros, de forma ilegítima e sem ética. O resultado e a imagem pública são iguais, mas os líderes são pessoas de diferente valor. Há gestores e políticos que se concentram em proporcionar ganhos de curto prazo, que são mais fáceis de medir, por vezes criando conscientemente custos de longo prazo difíceis de lhes serem associados. Há líderes que são totalmente insuportáveis em termos pessoais, utilizando o poder da sua posição para ficarem incólumes. É o saldo do positivo e do negativo que permite avaliar um líder. Mas na maioria dos casos quem avalia é vítima de uma grande assimetria informativa. Portanto, cuidado com as aparências e com os cheques em branco.
2. Por segurança, prefira líderes orientados por valores internos
Segundo, neste contexto, as pessoas orientadas maioritariamente por valores externos, como “a aceitação e a imagem social” precisam de ter o seu lado lunar mais escrutinado que as pessoas orientadas por valores internos, ou seja, a sua própria consciência. O objetivo primordial de ser socialmente reconhecido pode levar a concessões indesejáveis ao lado lunar, que vão resvalando por ser invisível para terceiros e não ter autocontrolo do próprio. Por outro lado, o objetivo de ser verdadeiro consigo mesmo conduz a um maior controlo do lado lunar pelo próprio, apesar de ser invisível para terceiros. O recrutamento e o continuado apoio de líderes deveria tomar esta dimensão em consideração.
3. Estratégias de desintoxicação de líderes
e de organizações são necessárias
Terceiro, se assumirmos que não há pessoas perfeitas, ou mesmo situações perfeitas, o desenvolvimento da liderança não deve ficar-se pelas qualidades positivas de um líder, mas deve também identificar e trabalhar o seu lado lunar. Os líderes podem ser vistos como aqueles medicamentos que curam ou controlam uma doença, mas que trazem associado algum grau de toxicidade. Alguns medicamentos são muito eficazes, mas são muito tóxicos, outros menos eficazes, mas menos tóxicos. Outros ainda, eficazes e sem toxicidade (raro). Depende da organização, do momento e dos seguidores a adequabilidade do tipo de medicamento/líder. Assim como na medicina se evolui para reduzir ou anular a toxicidade de medicamentos, a toxicidade de um líder não o deve desclassificar automaticamente, mas ser vista como algo que tem de ser trabalhado, reduzido e, se possível, eliminado. Se reconhecermos que o lado lunar da liderança é parte fundamental da avaliação da liderança, um dos caminhos a desenvolver é reforçar a capacidade de desintoxicar líderes e organizações e de transformar toxicidade em oportunidade.
4. A sociedade da informação expõe o lado lunar
e muda a liderança
Quarto, a sociedade da informação, caraterizada pela democratização do acesso à informação, tornará cada vez mais difícil esconder o lado lunar da liderança. Este facto implica a crescente dessacralização da liderança e dos líderes, que serão vistos cada vez menos como o líder super-homem e cada vez mais como pessoas falíveis, autênticas, que não são automaticamente superiores por serem líderes, mas sim pessoas que são também servidoras do grupo, da organização ou da sociedade e que precisam do envolvimento e do apoio dos seguidores para desempenharem o seu papel com vantagens para todos.
Esta abordagem mais realista impõe um estilo de liderança menos de comando e mais de cooptação, e um estilo de seguidores menos infantilizados e mais responsabilizados pelas suas ações e escolhas.
O crescente reconhecimento do lado lunar dos líderes e a crescente incidência de luz sobre este lado escondido da liderança irá desafiar a nossa perceção dos líderes e fazer a liderança evoluir de forma mais madura e com maior responsabilidade para todos – líderes e seguidores?